Nicole Winfield – Cidade do Vaticano Foto: Divulgação
Poucos negam que o papa João Paulo II tenha sido uma figura intensa e dominante no século 20, um grande papa de grandes realizações. Sua beatificação em tempo recorde, também, levou a questionamentos mesmo entre seus simpatizantes, os quais sugeriram que o Vaticano antes deveria responder a questões remanescentes das falhas do seu pontificado. A santidade de João Paulo II e seus feitos não são motivos de grande discussão: o segundo papa com maior pontificado ajudou a derrubar o comunismo, redirecionou a Igreja Católica Romana através das tumultuadas décadas após o Concílio Vaticano Segundo (1962) e cada vez mais pareceu se tornar um guia católico para uma geração de jovens fiéis que passaram a assistir a missas ao redor do mundo.
Esses e outros atributos ganham cada vez mais evidência à medida que se aproxima a beatificação, marcada para 1º de maio, a qual os organizadores estimam que levará 1 milhão de peregrinos a Roma. Trata-se do último passo formal antes que João Paulo II seja canonizado. Uma vigília de preces no Circo Máximo, uma sessão de preces noturnas nas igrejas no centro histórico de Roma e a missa de beatificação, celebrada pelo papa Bento XVI, são esperadas como momentos culminantes da agenda do evento de três dias.
Talvez seja inevitável que a rapidez recorde do processo de beatificação tenha levantado críticas quanto à possibilidade de o Vaticano estar se apressando e meramente cedendo aos apelos de “Santo Subito” (Santo Já, em italiano, tradução livre), que foram feitos durante os funerais de Karol Wojtyla em 2005. Alguns apontam para os crimes sexuais e o todo o trabalho para escondê-los durante os 27 anos de pontificado de João Paulo II – um escândalo que estourou no fim da década passada, quando o papa já era Bento XVI, e parece ter provocado danos irreparáveis aos fiéis, particularmente na Irlanda.
Alguns conservadores e tradicionalistas acusam João Paulo II de não ter conseguido frear o declínio do catolicismo romano no Ocidente ao permitir, e em alguns casos encorajar, certos abusos litúrgicos que, afirmam seus detratores, contribuíram para o afastamento dos fiéis. Entre esses abusos, estão as danças durante as missas, uma prece pela paz ecumênica que o papa rezou em Assis, na Itália central, e outras tendências litúrgicas inspiradas no Concílio Vaticano Segundo adotadas ao redor do mundo.
Muitos observadores do Vaticano – clérigos e leigos – apontam para o escândalo do grupo Legionários de Cristo, talvez como o maior fracasso. João Paulo II tomava a ordem religiosa conservadora e rica, agora em processo de dissolução, como um modelo de ortodoxia. Durante anos, ele e seus conselheiros ignoraram, deliberadamente ou não, as acusações de que o fundador do Legionários de Cristo era um pedófilo que criou um culto à própria personalidade, tão secreto e opressivo que seus crimes ficaram escondidos durante décadas. Bento XVI gastou grande parte dos seus seis anos de pontificado tentando reparar, pelo menos em parte, os danos provocados por esses escândalos de pedofilia, o que levou a sugestões de que seria mais sábio esperar mais tempo antes de declarar que João Paulo II viveu uma vida de “heroica” virtude cristã, o que é um elemento-chave para a beatificação.
O historiador da Igreja Romana Michael Walsh recentemente questionou se era “necessário ou adequado” beatificar João Paulo II tão logo após a morte do pontífice, notando que muitas das pessoas envolvidas no processo – inclusive Bento XVI – deviam de certa forma seus cargos ao falecido papa e por isso não poderiam ser imparciais. “Sem nenhuma dúvida ele foi uma figura carismática e nos seus funerais muitos gritaram ‘Santo Subito’”, escreveu Walsh no começo deste ano, na revista liberal inglesa British Catholic. “Mas isso não é o suficiente para que a cautelosa Congregação para as Causas dos Santos tenha se apressado bastante um processo que normalmente é lento”.
Foi o próprio Bento XVI quem dispensou o período típico de cinco anos e permitiu que o processo de beatificação começasse apenas algumas semanas após a morte de João Paulo II em 2 de abril de 2005. E foi Bento XVI quem assinou o decreto atestando as virtudes heroicas de João Paulo II e também confirmando que um milagre aconteceu graças à intervenção do falecido papa. O cardeal Angelo Amato, que comanda o escritório fazedor de santos do Vaticano, disse em uma recente entrevista coletiva que o processo de beatificação de João Paulo II transcorreu como outro qualquer e foi especialmente rigoroso porque ele foi um papa e enfrentaria um escrutínio maior. Enquanto o processo de João Paulo II teve uma rapidez preferencial – “ele não precisou esperar na fila do supermercado”, admitiu Amato – não foram tomados atalhos na investigação da sua vida e virtudes, um estudo que produziu volumes de análises e testemunhos, tanto de admiradores quanto de detratores.
“Santo imediato, sim, mas acima de tudo, certamente santo”, disse Amato. Questionado sobre como os escândalos de pedofilia e abusos sexuais cometidos por clérigos afetaram o legado do papa e a causa de beatificação, Amato disse aos repórteres: “Pecados existem. Nossos pecados existem. Mas isso não impede a santidade de outros”. O porta-voz do falecido papa, Joaquín Navarro-Valls, argumentou que a beatificação não é tanto um julgamento histórico de como João Paulo II administrou a Igreja, mas mais uma avaliação sobre se ele viveu uma vida santa de virtudes cristãs. E nesse aspecto, ele disse, não existem dúvidas. Navarro-Valls levou o processo inteiro de beatificação e afirmou: “Eu penso que é o suficiente estar certo que ele viveu as virtudes cristãs de uma maneira heroica”. Outros, contudo, afirma que é impossível separar o homem do mandato e que qualquer investigação sobre as virtudes pessoais de João Paulo II precisa incluir uma avaliação sincera do seu pontificado. Uma pequena e tradicional publicação norte-americana, a “The Remnant”, emitiu reservas em um abaixo-assinado sobre a beatificação por causa dos escândalos de abuso sexual, da debacle dos Legionários de Cristo e das preocupações com a liturgia. Até agora, 1.500 pessoas firmaram o abaixo-assinado.”Quando o candidato à beatificação é um papa – o Santo Padre da Igreja universal -, a questão não é simplesmente sua piedade e a santidade pessoais, mas também o cuidado com a vasta congregação dos fiéis que Deus confiou a ele”, diz a petição.
Escândalos são uma chaga para a Igreja Mesmo o biógrafo oficial de João Paulo II, George Weigel, diz que o Vaticano faria bem em tornar público como resolveu a questão sobre os Legionários na sua investigação de beatificação do falecido papa. O religioso mexicano Maciel, fundador dos Legionários, foi eventualmente advertido pelo Vaticano um ano após Bento XVI ser eleito papa, uma década após as primeiras acusações chegarem à Santa Sé, de que Maciel sodomizou jovens seminaristas no México. O dossiê de beatificação é secreto e não existem indicações de que o Vaticano planeje abri-lo para escrutínio público. Weigel notou na revista britânica que tornar pública a rejeição do Vaticano às acusações de que João Paulo II foi cúmplice nos malfeitos de Maciel “ajudaria a limpar o ar pesado” antes da beatificação prevista para 1º de maio.
Mesmo assim, Weigel não tem dúvidas sobre o valor da causa ou sobre a sua hora. Em recente biografia de João Paulo II intitulada O fim e o Começo, Weigel escreve que levará séculos para que sejam compreendidos totalmente os sucessos e fracassos de João Paulo II. “A efusão universal de simpatia e gratidão, na morte dele, sugeriu que grandes partes do mundo já tinham um veredicto formado: Esse foi um grande homem e um grande papa, cuja grandeza veio da sua habilidade em chamar homens e mulheres para uma grande visão das suas próprias possibilidades, sob a graça divina”.
Estraido do SPN - 24-04-2011
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